Tentar mapear a população carcerária feminina no País é como mergulhar em um buraco negro de desinformação. Encontrar até dados básicos, como o número detentas, já é um desafio e tanto. Informações da Pastoral Carcerária de 2010, por exemplo, demonstram que há quase 35 mil detentas em presídios brasileiros. A ausência de informações dá uma ideia do abandono em que vivem essas mulheres – esquecidas pelos livros, os jornais, as pesquisas, o próprio sistema carcerário e o governo.
Foi essa a conclusão a que chegou a jornalista Nana Queiroz, autora do livro Presos que Menstruam (Editora Record, 2015) . Ela analisou o sistema carcerário brasileiro ao longo de quatro anos e teve contato com algumas das detentas que passaram e ainda passam seus dias em condições brutais.
“As especificidades de gênero são ignoradas”, assegura Nana, em conversa com Terra . “O Estado esquece que as mulheres precisam de absorventes, por exemplo, e que precisam de papel higiênico para duas necessidades em vez de uma. Ou ainda que as mulheres engravidam, têm filhos e precisam amamentar”.
Para escrever Presos que Menstruam , Nana conversou com detentas de várias partes do país e colheu depoimentos de suas experiências dentro das prisões. O livro traça o perfil de algumas dessas mulheres enquanto expõe os problemas e desafios do sistema prisional feminino.
Discursando sobre a gravidez dentro dos presídios, a presença dos bebês que convivem nas prisões, o tratamento dado às famílias durante as visitas, o abandono, e todas as torturas físicas e psicológicas às quais são submetidas, Nana fala abertamente sobre a miséria do sistema carcerário brasileiro, acabando com os tabus que acobertam o tema.
Mulheres: prisioneiras ignoradas
“Quando comecei a pesquisar encontrei um completo silêncio sobre o assunto. Era como se não tivessem mulheres presas no Brasil”, explica Nana sobre o tabu que é ainda hoje falar sobre os presídios femininos ao redor do país.
As mulheres são esquecidas pelo próprio sistema carcerário que as trata como homens. A elas são oferecidos os mesmos auxílios que aos prisioneiros do sexo masculino, ignorando a diferença de gênero e necessidades extras.
Conforme explica a jornalista, alguns presídios oferecem um pacote pequeno de absorventes para o ciclo menstrual, mas, conforme muitas detentas relataram, eles não são suficientes para aquelas com fluxo maior. Em casos extremos, quando falta absorvente durante a menstruação, detentas improvisam usando miolo de pão como absorvente interno.
O miolo do pão velho é guardado para essas situações. As mulheres o amassam para que fique no formato de um O.B. e colocam-no dentro da vagina para absorver o fluxo menstrual.
Situações degradantes como essa são comuns em presídios femininos e em presídios mistos. Em algumas prisões, os itens de higiene pessoal são de responsabilidade da própria detenta, ou seja, ela depende daquilo que seus familiares fornecem durante as visitas.
No entanto, as presas são comumente abandonadas pelos familiares e parceiros quando condenadas, e, portanto, não recebem nada da família – nem visitas ou itens básicos. “Elas ficam sem assistência e os itens de higiene são os primeiros que faltam”, conta Nana.
Em outras prisões, cada detenta recebe um ‘kit’ básico mensal, mas que não dura o mês todo. Para conseguir sobreviver antes de receber o próximo kit, uma senhora presa, que não recebia visita de seus 20 filhos e 19 netos há 3 anos, contou que costuma recolher restos de jornal para usar como papel higiênico.
Como são raros, os itens de higiene são usados como moedas de troca dentro dos presídios femininos. “Cigarro, shampoo, sabonete, esmalte e tinta de cabelo são moedas valiosíssimas dentro dos presídios femininos, muito mais do que nos masculinos, porque as mulheres tentam recuperar a dignidade através da vaidade”, observa Nana.
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